Ônus da impugnação específica é ferramenta importante
No atual contexto do Judiciário, ferramentas processuais que outrora
foram mitigadas em nome da instrumentalidade despontam novamente como
recursos de que podem se valer o juiz e as partes para evitar maiores
delongas e imprimir celeridade ao trâmite processual.
Entre elas, destacamos o ônus da impugnação, previsto no artigo
302 do Código de Processo Civil, que implica na responsabilidade que
tem o réu de, em sua defesa, impugnar de forma especificada e
precisa cada um dos fatos narrados pelo autor na inicial, sob pena
de, em não o fazendo, consumar-se a preclusão.
O ônus da impugnação específica é um verdadeiro encargo
processual, do qual decorre a necessidade de atenção e cuidados
extremos por parte do advogado do réu ao ofertar uma contestação,
sob pena de, em não o fazendo, dar azo ao julgamento antecipado,
perdendo, em princípio, a oportunidade de produzir as provas que
poderiam favorecer seu cliente.
Sem embargo, embora a presunção de veracidade dos fatos não
contestados tenha sempre caráter relativo, isto é, pode ser elidida
mediante prova em contrário, em se tratando de matéria puramente de
direito, ou ainda, de direito ou de fato, sem que haja necessidade de
produção de prova em audiência, é possível o julgamento
antecipado da lide, a teor do que dispõe o artigo 330 do diploma
adjetivo.
Conforme ensina Dinamarco1, “o artigo 302 do Código de
Processo Civil dá por ineficazes as inconvenientes e às vezes
maliciosas contestações por negação geral, consistentes em dizer
simplesmente que os fatos não se passaram conforme descritos na
inicial, mas sem esclarecer por que os nega, nem como, na versão do
réu, os fatos teriam acontecido”.
E não poderia ser diferente, uma vez que, a partir da contestação,
é que são fixados os limites do conflito de interesses e dos pontos
controvertidos sobre os quais, eventualmente, será necessário fazer
prova. Por esse motivo é que o artigo 303 do Código de Processo
Civil limita a possibilidade de deduzir novas alegações no
processo, estabelecendo a preclusão consumativa.
Deste modo, não tendo o réu logrado êxito em impugnar qualquer um
dos fatos articulados pelo autor na inicial, sobre aquele fato
recairá a presunção de veracidade. Não sendo mais controvertido,
não há porque fazer prova do mesmo. E, se assim ocorrer com todos
os fatos inicialmente narrados, a conseqüência lógica e processual
será, inevitavelmente, o julgamento antecipado, suprimindo-se a fase
probatória.
Questão importante diz respeito à possibilidade de utilização do
ônus da impugnação específica positivamente, como ferramenta
processual, pelo advogado. A ele cabe verificar se o julgamento
antecipado será benéfico ao seu cliente e, nesse caso, requerê-lo
ao juiz. A oportunidade mais adequada para o advogado do autor
apontar a falta de impugnação é no momento da réplica2,
quando poderá relacionar os fatos incontroversos que favorecem o
direito pleiteado e requerer o julgamento do feito na forma do artigo
330 do CPC.
É possível, ainda, que o magistrado, desde logo, ou ao sanear o
feito, verifique a presença dos requisitos legais que o autorizem a
julgar antecipadamente a lide, sempre que o réu não tenha se
desincumbido do ônus da impugnação específica. E que requisitos
seriam esses?
Como dito alhures, o julgamento antecipado da lide é possível
sempre que a matéria discutida nos autos seja exclusivamente de
direito, ou ainda, que seja de direito e de fato, porém não dependa
de produção de prova em audiência; que a lei admita confissão
sobre os fatos não impugnados; e que o direito discutido seja
disponível.
Assim, tem-se que o julgamento antecipado pode ocorrer,
principalmente, nas causas que versem sobre direitos disponíveis,
sempre que a prova seja pré-constituída, haja confissão ou
reconhecimento do pedido pela outra parte, ou quando a contestação
for genérica ou pouco esclarecedora.
Esta premissa não exclui outras hipóteses. Cabe ao magistrado
conduzir o processo e verificar, caso a caso, a possibilidade de
entregar, desde logo, a tutela jurisdicional. Como afirmou o
desembargador Sérgio Cavalieri Filho, presidente do Tribunal de
Justiça do Rio de Janeiro, em palestra a novos juízes: “o
tribunal dá a estrutura material adequada, como boas instalações,
computadores e funcionários, mas a administração dos processos que
entram e que saem cabe aos magistrados”3.
Demandas que se repetem aos milhares, como ações de cobrança, por
exemplo, as quais tramitam pelo procedimento ordinário ou sumário,
podem, desde logo, ter o mérito julgado, acelerando a prestação
jurisdicional em três frentes: na entrega efetiva da tutela
perseguida, solucionando o conflito de interesses; na diminuição do
tempo de tramitação do feito, atendendo à garantia constitucional
da regular duração do processo, introduzida no artigo 5º, LVIII da
Magna Carta, pela EC 45/2004; no alívio do volume de trabalho dos
tribunais, permitindo um incremento de qualidade na administração
da Justiça.
Portanto, diante do exposto, conclui-se que o ônus da impugnação
específica é uma importante ferramenta que pode e deve ser
aproveitada pelos operadores do direito. Isso mostra que a árdua
tarefa de agilizar a prestação jurisdicional passa também pelo
aproveitamento das soluções já existentes. Assim, ao contrário de
apenas clamar e esperar pelas reformas da lei, as partes e o juiz
podem atuar de forma pro ativa no âmbito do processo, de modo a
buscar a tão almejada celeridade.
Notas de rodapé
1 - Instituições de Direito Processual Civil. São Paulo:
Malheiros, 2003. v III, p. 464.
2 - Embora não seja obrigatória no Processo Civil, o dia-a-dia da
profissão nos mostra que a réplica se tornou uma práxis. Após a
resposta do réu, é comum que seja determinada nova manifestação
do autor, para possibilitar ao julgador uma melhor compreensão do
litígio
3 - Palestra proferida em 3 de maio de 2005, no XXVIII Curso de
Iniciação de Magistrados, Emerj. Rio de Janeiro.
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